Ainda não marcava sete horas da manha
e o calor já era insuportável, típica manhãs de verão. Sendo uma quarta-feira, a
rotina do trabalho prometia ser intensa. Apenas três servidores ocupavam os
postos de portaria e sub portaria e uma lista de agendamentos de descarga de
suprimentos, advogados, oficiais de justiça, entrega de jumbo, cadastro de
visitantes, diversos trânsitos externos para fóruns, hospital, entre outros
além das ações cotidianas de qualquer trabalho e manutenção da segurança.
O som irritante do rangido do
ventilador parecia marcar o tempo em contagem regressiva para chegarem as
primeiras tarefas.
De pé, apodo no balcão, o diretor de
plantão olhava fixamente para a relação de atividades e coçava a cabeça. Provavelmente
imaginando como conseguiria, mantendo as regras de segurança, garantir que a
rotina do dia fosse cumprida com apenas três funcionários para cobris os diversos
postos.
De repente uma batida de aço sobre
aço é ouvida vinda de uma das portas de acesso ao interior da portaria. A repetição,
forte e sequenciada, dava a impressão de pressa e um dos servidores, erguendo o
olhar, encarando a fileira de chavões e atento ao barulho, tentava se decidir
qual das chaves deveria ser a escolhida.
O barulho nas batidas da porta de aço
se repetem e ecoam na portaria, só que dessa vez inda mais fortes e rápidas. O servidor
pega rapidamente todas os chavões disponíveis para se decidir para que lado ir
durante o percurso.
Nova batida na porta, mas agora mais
suave. O servidor para no meio do caminho indeciso. Olha para a porta de acesso
que vem do estacionamento – seu palpite pelo timbre habitual da batida daquela
porta – e olha para o chefe que, ainda escorado no balcão, olha para a porta de
acesso a carceragem com um ar de convicção que as batidas vinham de lá.
Agora, as batidas simultâneas nas
duas portas, revelava o segundo de mistério e o servidor decide abrir primeiro
a batida mais apressada. Se dirige a porta de acesso vinda do estacionamento,
abre a ventana para ver de quem se tratava e visualiza um dos diretores.
Suado, com olhos estáticos para o
interior da portaria, o homem tinha um semblante sério. O servidor abre o
ferrolho da porta enquanto ouve as batidas da outra porta com maior
intensidade. O diretor, do outro lado da porta, olha rapidamente para o lado e
torna a olhar para dentro da portaria pela ventana, pede pressa, diz ter hora.
Enquanto o servidor abre a porta, o
chefe da portaria vai em sua direção, pega uma das chaves e segue no sentido da
porta de acesso a carceragem.
O diretor entra rapidamente responde
baixinho e ligeiro o bom dia que recebeu do servidor que acabara de lhe dar
acesso. Segue apressadamente para a sala de conferencia e revista pessoal
enquanto o servidor baixa a mão estendida ao vento em tentativa frustrada de cumprimentar
o colega de trabalho que acabara de chegar “– por isso que não quero ser diretor
de cadeia, esse povo não tem hora, não tem paz, só tem cadeia dentro da cabeça.”
Pensa o servidor enquanto tenta entender a movimentação e para qual posto deve
seguir.
Do outro lado, o chefe de portaria
abre a porta para a entrada de um servidor trazendo três detentos que deveriam
ser conduzidos a cela da tele audiência. Da início a conferencia dos nomes e
rosto desses dos detento. Se coloca em posição que pudesse visualizar os dois
portões e seu colega de trabalho mas, de costas pra o diretor que acabrá de
chegar.
O diretor aguarda impaciente na sala
de revista e fala auto “alguém pode me passar...”. O chefe da portaria olha
para seu colega de trabalho e olha para direção da sala de revista como que se dispensasse
ajuda do companheiro e o indicasse para onde deveria seguir.
O servidor então entende o olhar do
chefe, guarda a chave do portão que acabara de abrir, olha para o relógio, pois
deveria relatar em livro a entrada tanto dos detentos, sentido tele audiência,
como a do diretor. Ainda não eram sete horas. O servidor estranha a entrada os
detentos tão cedo, pega outro chavão, dessa vez com convicção de qual deveria
ser selecionada e segue apressadamente para a sala de revista.
Chegando a sala de revista se depara
com o diretor sentado no banquinho já calçando seus sapatos, com o cinto
pendurado no ombro e a caixa na esteira do raio x, aparentemente já passada. O servidor
se aproxima e visualiza o monitor do raio x constatando a imagem de uma caixa
contendo um par de sapatos, um maço de cigarros e um cinto aparentemente
correspondente ao do diretor. Receoso mas com bom humor ele indaga:
- Tá acumulando função
chefia
- como assim. Pergunta
sério o diretor
- você mesmo se revista, responde o servidor, vai acabar
ganhando dois salários
- estou atrasado e você demorou a chegar. Quis adiantar o
trampo... De qualquer forma, para mim a revista é dispensada. Retruca o diretor
com ar de deboche.
Olhando o monitor buscando visualizar
a caixa que o diretor carregava e que agora se encontrava na esteira, o servidor
ouviu as palavras do diretor e em questão de segundos sentiu raiva - dada a arrogância
do homem -, depois ponderou buscando em sua memória se havia algo que dizia que
diretores estavam dispensados de revista e, por fim, resolveu fazer ouvidos de
mercador e não dizer nada, afinal, trabalhar na portaria não era bom mas sempre
dá para piorar.
O diretor se levanta do banquinho,
pega sua caixa e se dirige a porta de acesso a carceragem. Em pé, de olhos
fixos na porta, aguarda com ar de ansiedade e pressa. De costas para o diretor,
o servidor olha intrigado para o monitor por não ver nada parecido com a caixa
que carregava o diretor, apenas seus pertences pessoais apareciam na tela.
Olhou para o diretor parado a dois
passos e de costas para ele, se lembrou das últimas palavras do diretor quanto
a dispensa de revista, olhou para a caixa em suas mãos... sentiu um certo medo –
instinto de carcereiro – rapidamente formou-se um cenário na cabeça do servidor
(detentos chegando tão cedo para tele audiência, o diretor chegando mais cedo
que de costume e com suposta hora marcada... na carceragem... as sete da
mnahã...) no ato perguntou:
- assistiu o jogo de ontem a noite
O diretor estático, sem desviar o
olhar da porta, se manteve em silêncio.
Não pode ver os olhos do diretor,
desconfiou ainda mais, pensou na situação que poderia gerar fazer questão de
passar no raio x a caixa que portava o diretor vendo ele tão sério, com tanta
pressa e depois de dizer que diretores estariam dispensados de revista. Seja como
for, o servido se sentiu desconfortável. Não queria problemas com o diretor,
mas também não havia visto a caixa e somando todo o contexto, a tal caixa havia
se tornado um mistério, um ponto fora da curva. Segundos de tensão, o servidor
sentiu seu estomago embrulhar, a musculatura de seu corpo se enrijeceu, o
coração disparou, sentiu a testa suar. Precisava tomar uma decisão. Ou deixava
o diretor passar e ignorava todo contexto e tinha um bom dia de trabalhos que,
ao final, constaria “encerro as 18h sem novidades.”, pediria para o diretor
passar “novamente” a caixa pelo raio x e corria o risco de, não havendo nada de
mais nela, criar uma indisposição séria com um diretor ou, na pior das
hipóteses, passar a caixa no raio x e constatar algum ilícito nela, chamar
testemunha, fazer comunicado, boletim de ocorrência e ver seus próximos dois ou
três anos de trabalho se tornarem um verdadeiro inferno respondendo
sindicância, corregedoria, delegado, juiz, promotoria e o escambal.
E agora... pensou o servidor e, em
instantes, se decidiu e falou...
Logicamente esse relato é apenas uma
simples ficção escrita por mais um guarda, porém fatos como esse ou até mais
angustiantes, quem sabe, amedrontadores, em fim, o que de ruim o leitor quiser
imaginar, podem acontecer dentro de uma cadeia mas, o objetivo desse texto não
é o de causar sensação alguma nem de mostrar qualquer parte da realidade do
sistema prisional mas sim de colocar um paradigma e, agora, dentro dele, fazer
refletir um projeto de lei que tramita, e até com certa celeridade, no senado federal. PL 116/17 que pretende
acabar com estabilidade de emprego dos servidores públicos.
Primeiro, a coisa mais importante de
se lembrar, é que a dita estabilidade é uma farsa. O servidor público pode e
muitos são demitidos por diversos motivos, mas nunca antes de ser averiguado,
na forma da lei, o que motivou o pedido de demissão. Por isso, a exoneração (que
seria o nome mais adequado a um trabalhador estatuário) é um fato que
normalmente ocorre, salvo abusos e arbitrariedades que também não são incomuns,
com um tempo bastante estendido. Envolve um longo ritual, muito papel e muita
gente e protege, não apenas o servidor dos possíveis abusos tão comuns aos
trabalhadores CLTistas, mas principalmente o serviço público.
Na ficção acima o servidor ficou em
um paradigma fácil de ser resolvido na lógica do perfeito mundo das ideias ou a
sombra do argumentação de falsos moralistas como a senadora Maria da Costa
Alves do Democratas, mas de complicadíssima conjugação quando o sujeito está
submetido ao mercado de trabalho, a possibilidade do desemprego e a necessidade
de honrar com seus compromissos periódicos fixos e variáveis. Torna-se ainda
pior pensar isso no verão, próximo ao natal, ao ano novo, as férias escolares
dos filhos, a volta do ano letivo e todos os gastos pouco românticos que essas
datas acarretam. Pode-se ainda acrecentar os impostos de início de ano, mas
também podemos ser sentimentais e pensar nas férias freustradas das crianças,
no papai noel que não vai chegar, no calçado novo que substituirá o calçado já
surrado e, quem sabe, apertado do filho que não para de crescer, da internet e
telefone cortado impossibilitando a filha de realizar as pesquisas para os
trabalhos escolares, quem sabe não sentir o gosto do pernil, seja pela falta do
próprio ou talvez do gás visto que, certamente não é do conhecimento de todos,
mas os servidores públicos não tem fundo de garantia, não tem seguro
desemprego, não tem outros mecanismos de proteção ao emprego nem tão pouco
privilégios, como dizem na tv. Que sua renda não está na média dos tais
dezenove mil reais como disse o William Bonner certa vez tratando sobre a dita
reforma da previdência, muito pelo contrário, o servidor, em específico o do
sistema prisional, tem uma renda bruta, quando muito, na faixa de três a cinco
salários mínimos. Quando muito.
No mais, a senadora descaracteriza
sua proposta já no primeiro artigo onde diz “Esta Lei Complementar disciplina a
perda do cargo público por insuficiência de desempenho do servidor público
estável”. Talvez uma coisa que não falte no serviço público são leis
disciplinares, principalmente as punitivas e desempenho, vindo da referida
senadora, chega a ser uma piada quando olhamos sua frequência no senado
federal, quando olhamos suas propostas – quando as achamos, é claro – e estável
é a p..... para não falar outra coisa
O serviço publico hoje carece, não de
profissionais capacitados, visto que somos constantemente avaliados e colocados
a fazer cursos de atualização. O sistema público hoje carece de políticas
públicas sérias, de servidores suficientes e de senadores e senadoras,
deputados e deputadas, prefeitos e prefeitas, vereadores e vereadoras,
presidentes e presidentas, jornalistas e meios de comunicação que tenham a
mínima noção do que é, para que serve e qual a razão social do serviço público.
Toda a proposta da senadora segue os
passos das reformas em andamento e tem o claro propósito de dar ao serviço
público o ar coercitivo do serviço privado, de poder dispensar servidores aos
milhares ignorando o fato da extrema precariedade a qual eles se encontram
fazendo contraste com as luxuosas instalações do senado e suas mordomias.
Quem tiver a oportunidade e paciência,
leia a proposta da senadora e leia as atuais leis que regem o trabalho do
servidor público. Tenha o interesse de saber qual a realidade dos salários e
ambiente de trabalho dos servidores. Aproveite e de uma olhada no “desempenho”
da senadora que inventou a PLS 116/17.
Á... a propósito, a grande maioria
dos agentes penitenciários, mesmo com esse drama apresentado acima, jamais deixaria
passar batido uma caixa como aquela, independente se quem a portasse fosse o
diretor, o juiz, o desembargador ou a própria senadora. A grande maioria dos
servidores do sistema prisional são exatamente iguais a grande maioria dos
brasileiro trabalhadores que, apesar de ganhar pouco, trabalhar em locais
completamente hostis e expostos a tudo o que a segunda profissão mais perigosa
do mundo pode proporcionar, não baixam a cabeça, tem dignidade e, junto a isso
tudo, tem leis que protegem seus empregos de pessoas mal intencionadas.
NÃO a PLS 116/17, NÃO a políticos
despreparados e mal intencionados, CHEGA dessa baderna que nossos “representantes”
tem feito. Não toleraremos mais essa esbornia, essa desconstrução de nosso
país, essa entrega de nossas riquezas e essas ofensas diárias que os
legisladores tem nos enfiado goela a baixo. Basta dessas raposas usando
máscaras de cordeiro e que já não enganam a ninguem. CHEGA.
Rogério
Grossi de Britto
Link para
acompanhamento do Projeto: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/128876
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