Liberalismo é uma moda de muitos séculos atrás que voltou com tudo no verão passado. Um pouco como o coque samurai. Todo mundo, dos mais variados espectros está usando.

Liberalismo é a palavra da vez. Liberal virou a palavra da moda e acaba servindo quase que indiscriminadamente para tudo. Até Jair Bolsonaro, o líder nas pesquisas entre os candidatos “soltos” se diz liberal. Conforme noticiado no site da Folha de São Paulo no dia 25 de fevereiro desse ano “...Bolsonaro já avisou que, se eleito, ele [Pulo Guedes] será seu ministro da Fazenda...”.

Paulo Guedes, para quem não conhece, é um dos fundadores do Banco Pactual e um auto declarado Liberal, mas Bolsonaro não está sozinho nessa tendência. Tem muita gente que já estava na tendência antes de virar modinha. Os pré-candidatos Flavio Rocha, João Amoedo e Geraldo Alckmin também fazem questão de anunciar uma agenda Liberal.

E não é só entre os presidenciáveis que o liberalismo é a palavra da vez. Só o partido Novo irá lançar 152 candidatos pelo Brasil, então vamos tentar fazer um resumo sem muita caricatura sobre o que é o Liberalismo.

O Liberalismo começou a ganhar o mundo entre os séculos XVII e XVIII na Europa a partir das reflexões de filósofos e economistas ingleses. O Estado era, na época, liderado por Reis e Rainhas que controlavam nossa religião, nossa vida e eram donos vitalícios de toda a terra e riqueza. “O Estado sou eu” teria dito Luiz XIV. Os monarcas eram sinônimos do Estado “assim como PMDB no Rio de Janeiro ou PCC em São Paulo”.

Os Filósofos, como Adam Smith  e John Locke (que nada tem a ver com o seriado Lost), estavam propondo ideias que pretendiam descentralizar o poder e garantir liberdade. Eles achavam que não fazia sentido nenhum que Reis e Rainhas mandassem na porra toda sozinhos. Era um pessoal bem radical e progressista para a época deles. Não necessariamente conservadores, mas ao contrário disso. O que só evidencia o quanto o Brasil é uma zona.

Os pilares liberais que eles estabeleceram são simples e a The Economist, a publicação liberal mais reconhecida no mundo, ajuda a gente a entender e, conforme vídeo publicado por eles, “Liberalismo é uma visão mundial baseada na liberdade e na igualdade de oportunidade. Liberais valorizam livre comércio, competição aberta e liberdade de expressão...” ou seja, liberdade e igualdade de oportunidade e não tem nada, ao menos nesse vídeo da The Economist, dizendo que um socialista não pode ter um iPhone por exemplo. Uma premissa fundamental no liberalismo é de que o Estado não pode tudo, mas deve basicamente assegurar direitos iguais a todos e garantir que a gente consiga conviver em sociedade e não saia se matando por ai.

Já na economia, o liberalismo significa de novo limitar o poder do Estado defendendo a autonomia da sociedade e do espaço econômico. O Papa dessas ideias é Adam Smith onde, conforme vídeo publicado na eBookLibrary.org  “A Ideia pela qual Adam Smith é mais famoso, é a ideia de mão invisível do mercado. Se o Governo tiver um papel nisso, será apenas para garantir a implementação dos contratos econômicos...” ou seja, segundo os liberais a função do Estado é trabalhar de segurança na suruba.

No caso da suruba do mercado, o Estado deve agir para garantir a liberdade de todos.

Segundo os liberais, se todos os agentes econômicos – eu, você, a coca-cola, o Fábio Júnior – se nós tivermos liberdade para buscar nossos próprios interesses, num conjunto, o sistema funciona. Ou seja, o que eles acreditam é que quanto menos o Estado interferir, melhor para o sistema. E o funcionamento geral, baseado na ganância e no auto centramento de cada um de nós, ganha um nome: a mão invisível. Mas, atenção. No caso da suruba, a mão invisível ganha um significado completamente diferente.

Os liberais clássicos tinham como regra máxima a liberdade individual, mas com o tempo eles sofisticaram esse ideia para incorporar a noção de igualdade de oportunidade. Os liberais entenderam que sem condições básicas como saúde e educação não dá para esperar que alguém usufrua da liberdade. A educação torna as pessoas livres ou, pelo menos, garante uma cela especial no Brasil.

A meritocracia, ritch dos anos 90 junto com a Britney e o tomate seco, também está dentro das ideias liberais modernas. A ideia de que as pessoas deveriam prosperar por meio de seus méritos pessoais. Mas para funcionar é necessário que as condições de partida sejam iguais como diz integrantes do Livres, um dos grupos que tenta levar o liberalismo a sério no Brasil, e que afirma resumidamente em um de seus vídeos “Oportunidade é a chance de você se dar tão bem quanto qualquer um e qualquer um ter a mesma chance que você de se dar bem. Independente do hospital de nascimento, do bairro de residência, etnia, religião, onde estuda e o que quer fazer da vida...”. Observem que se fosse eu dizendo isso, me mandavam pra Cuba. Mas quem diz isso é um liberal.

A liberdade que os liberais defendem vale para todos os âmbitos e que vão muito além do econômico e do político como explica o premio Nobel de Literatura e fundador do movimento Liberta, Mário Vargas Lhoça “Pedir liberdade do ponto de vista liberal, é pedir liberdade política, liberdade econômica, liberdade para os indivíduos, liberdade para as instituições, liberdade para a família, liberdade para os grupos. Liberdade em todos os campos da atividade humana...”. Resumindo, Liberdade em todos os campos da atividade humana, por isso o liberalismo econômico, político e individual são inseparáveis. Dissociar os três é igual a você dizer que torce pelo ataque do Corinthians, meio campo do Palmeiras e defesa do São Paulo. Você pode até falar isso, mas não é o real, é no máximo coisa do Cartola F.C. E é ai que entra o liberalismo “Made in Brazil”. Eles pegam um movimento super tradicional e tiram dele tudo o que tem de interessante, assim como o que fazem com os Samurais. Vamos aprender a lutar? Não. Vamos usar espada? Não. Vamos se matar pelo nosso país?, Não. Vamos pegar só o coque mesmo. Não faz muito sentido... mas é o que os liberais estão fazendo no Brasil, eles estão resgatando só o coque.

E os nossos políticos não ficam constrangidos em fazer isso. Eles abraçam o esquartejamento do liberalismo como estratégia de campanha eleitoral. Políticos como o ex deputado federal e possível candidato a presidência, Flavio Rocha, que afirma em um vídeo gravado e publicado pelo MBL “...O candidato óbvio que é aquele que una o liberalismo econômico a práticas conservadoras no campo do comportamento é um gigantesco vácuo...”. É um gigantesco vácuo... Perceba que ele não diz que o candidato vai preencher o gigantesco vácuo, ele diz que o candidato é um vácuo, ou seja, ele se definiu como um vácuo...

Não dá, segundo o conceito liberal, para ser metade liberal e metade conservador. Ou melhor, até dá se você além de candidato for bilionário e dono da Riachuelo que recebe empréstimos a juros bem baixinhos do BNDES como afirma a revista exame de 10 de junho de 2015 “O BNDES vem apoiando silenciosamente as empresas controladas por muitos dos bilionários do país, como Globo, JBS, Votorantim (...) Riachuelo” e acusada de exploração de trabalho escravo conforme afirma o informativo Nexo de 26 de novembro de 2017 “O caso trabalhista que fez o dono da Riachuelo réu por coação e injúria”. Alguns podem até dizer que o Flavio Rocha fez o mesmo implante de cabelo do Eike Batista e pode só ter sido afetado pela qualidade da cola... o que pode até ser uma possibilidade, mas não é uma desculpa.

E o discurso do candidato a presidente pelo partido Novo, João Amoedo, não é muito diferente não como ele mesmo afirmou em entrevista concedida ao programa Roda Viva ao ser perguntado “O senhor se considera um candidato, um político, liberal ou conservador?” e ele reponde “Eu sou um candidato liberal na economia e me considero conservador nos costumes”.

Liberal na economia e conservador nos costumes é tipo: O Estado não tem que se meter no mercado, mas tem que se meter no seu cú. Parece que não faz sentido né? Mas quando ele resolve explicar melhor você descobre que não faz sentido mesmo conforme diz amoedo em entrevista concedida ao canal Boletim da Liberdade onde ele diz “No caso do aborto eu já me posicionei que sou contra o aborto, a favor da verdade, da forma em que está prevista em lei hoje. Nos casos previstos em estupro, caso de risco da mãe, em casos de encefalia. Então nesses casos previstos em lei a mulher deve ter a liberdade.”

Você não acha estranho quando em uma entrevista para o Boletim da Liberdade, um candidato liberal diga que uma mulher só tem a liberdade de fazer o aborto quando ela é estuprada? Ou quando ela pode morrer? Penso que não dá para se declarar liberal se você pretende controlar o que a pessoa faz com o próprio corpo. Antes de se engajar no liberalismo, você deve se lembrar que, conforme esse conceito, a liberdade tem que atingir todos os campos da atividade humana, por que não dá para ser liberal conforme o que a lei permite hoje. Porque aqui, entre nós, foi a lei de hoje que nos trouxe para esse lugar bem merda em que temos a terceira maior população carcerária do mundo (EBC Agência Brasil de 08 de dezembro de 2017 – “Com cerca de 726 mil presos, Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo”) e que quatro mulheres morrem por dia em consequência de abortos clandestinos (Estadão de 17 de dezembro de 2016 – “Diariamente, 4 mulheres morrem nos hospitais por complicações do aborto”) então, por que esses caras estão fazendo isso? Simples, hoje para 57% dos brasileiros uma mulher que pratica aborto deveria ir para a cadeia (El País de 13 de janeiro de 2018 – “Para 57% dos brasileiros, uma mulher que pratica aborto deveria ir para a cadeia”) e para 66% a maconha deveria continuar proibida (El País de 13 de janeiro de 2018 – “A maconha deve continuar proibida na opinião de 66%”), ou seja, nossos falsos liberais estão simplesmente jogando para a plateia falando o que a maioria quer ouvir, não importa que se para isso eles abandonem tudo o que existe como base liberal.

No fim, os novos liberais fazem menos sentido que Lost, é sério.

Mas não é só no que diz respeito ao aborto e as drogas que nossos falsos liberais abandonam o liberalismo. O ex-prefeito de São Paulo, João Dória, adora se dizer liberal mas tomou o lado dos ultra conservadores que tentaram impedir uma performance no MAM de São Paulo e resolveu dar uma aula a nossos artista sobre liberdade de expressão em vídeo divulgado por ele mesmo “...então eu peço que aqueles que promovem a arte no Brasil tenham consciência de que é preciso respeitar aqueles que frequentam os espaços públicos, respeitar a família, respeitar os direitos, respeitar as religiões...”. Eu fico pensando o que teria sido da arte se dependesse do Dória... Ia sobrar Romero Britto e Ani Guedes.

Sabia que na Alemanha dos anos 30 tinha um carinha que pregava o respeito aos valores familiares em detrimento da arte degenerada? Só não vou comparar por que ele, pelo menos, cumpriu o mandato até o final...

E não é só na arte que os falsos liberais querem cercear a liberdade. Um princípio do liberalismo econômico é a limitação da intervenção do estado sobre o mercado, mas o candidato do liberal Paulo Guedes, que é o Bolsonaro, já votou contra a quebra do monopólio das estatais e contra a reforma administrativa que impunha limites aos gastos do Governo conforme noticiado pela InfoMoney de 30 de maio de 2018 “(...) ele (Bolsonaro) votou contra a quebra do monopólio estatal do petróleo, contra reforma administrativa que impunha limite de gastos do servidor”. O que será que o Paulo Guedes acha disso?

E sabe também o que os falsos liberais não falam? Em taxar herança. Sim, por que talvez você não saiba mas liberais como John Stuart Mill defendem que grandes heranças passadas de geração em geração criam uma classe parasitária de rentistas (Instituto Liberal – 02 de fevereiro de 2015 “O economista liberal John Stuart Mill (1806 – 1873) defendia a implementação de pesados impostos sobre herança”). A final, não pode existir meritocracia se os pontos de partida das pessoas forem tão diferentes e a herança é o maior mecanismo de desiquilíbrio que existe. Vencer na vida ganhando herança é como gozar com o pau dos outros, sendo que o outro é seu pai... que frase terrível!!!

O Globo de 20 de fevereiro de 2017 noticiou que “O imposto sobre heranças no Brasil é considerado baixo quando comparado a outros países. Nos EUA, a taxação chega a 40%;”. Ai alguém pode dizer “Aaaa. Mas os EUA é comunista!!!” kkkkk. Na mesma edição, O Globo aponta que no Chile, a 35%. Sabe qual é a média que se cobra no Brasil? 4,5%. Os liberais de verdade defendem que essa taxação seja progressiva, ou seja, taxa maior para heranças maiores. Sabe como o falso liberal Rodrigo Constantino chama isso? O imposto da inveja (Gazeta do Povo / Blog do Rodrigo Constantino de  11 de novembro de 2013 “O PT quer taxar fortunas e heranças”). Baseado em Constantino, talvez a Constituição seria toda assim “Imposto da Inveja; Decreto do Recalque, a Lei da Indiretinha” kkkkkk.

Mas infelizmente não é só por causa das eleições que os falsos liberais distorcem os conceitos, mas sim por que eles são essencialmente conservadores mesmo. Um expoente do MBL deixa isso bem claro e inclisive, em vídeo, ele diz como se descobriu liberal “ai é que eu descobri o liberalismo cara. E a gente tem que tomar muito cuidado porque, eu pelo menos, confundia muito liberalismo com os liberais americanos. O que não tem nada a ver. Os liberais americanos são um pessoal mais voltados pra esquerda, eles não são tão conservadores...” acha? Na verdade ele não esta confundindo não. Os liberais americanos não são conservadores, os liberais americanos são apenas liberais mesmo. Ele é que é conservador. Foram esses caras que inventaram o liberalismo junto com os ingleses, o termo é deles... Parece um turista que pede sushi no Japão e reclama que não tem cream cheese.

Nossos presidenciáveis e os jovens ditos liberais reclamam de um Estado máximo para políticas sociais, mas não se posicionam quando esse mesmo estado lança politicas de credito para salvar empresas falidas (Folha de São Paulo de 09 de julho de 2018 “Michel Temer, lançou uma linha de credito de R$ 5 bilhões para socorrer empresários”), ou renegocia dívidas da cervejaria Itaipava por 2 mil anos (O Globo de 10 de maio de 2018 “Cervejaria parcela dívida com Rio: terminará de pagar, acredite, em 2 mil anos”). Visto os últimos 2 mil anos eu, pelo menos, não tenha muita certeza no que acontecerá dos próximos 2 mil anos só que a Itaipava não vai pagar nada até lá.

Os falsos liberais também parecem não se incomodar com a reconcentração de riqueza e poder. Cinco pessoas no Brasil concentram a mesma riqueza que mais de 100 milhões de pessoas mais pobres no país (G1 de 22 de janeiro de 2018 “5 bilionários concentram mesma riqueza que metade mais pobre no país, diz estudo”). Esse é um pequeno indício que ta faltando organizar essa suruba.

O fato é que hoje, no Brasil, vivemos  realidade que os liberais de verdade combatiam: Concentração econômica e de poder, privilégios hereditários e dinastias familiares. Talvez um novo titulo de filme para o cine. Depois de “de repente 30”, “de repente 1730” por que nenhum desse liberais falsos se dedica de verdade em desconcentrar riqueza e promover a liberdade. Pior, muitos deles chamam de comunistas as pessoas que defendem impostos sobre heranças, por exemplo, para garantir igualdade de oportunidade. Eles querem mandar pra cuba quem deseja direitos inclusive os de ser dono do próprio útero e do próprio cú.

Eu sei que você sabe que meu coração será vermelho sempre e que na hora de dormir eu abraço bem forte um boneco do Lula. Mas isso não me impede de saber que liberalismo é uma coisa séria e que não dá para usar a palavra em vão.

Você acredita que as ideias liberais são a base para as transformações que o Brasil precisa? Justo. Mas então vamos escutar os liberais de verdade para ser um país com liberdade e igualdade de oportunidade. Por isso, nas eleições, não se engane. Os candidatos que se declaram liberais, mas estão mais preocupados com a liberdade de acumular dinheiro do que com a liberdade de oportunidade não são liberais. Os candidatos que estão mais preocupados com a liberdade de carregar armas do que com a liberdade da mulher controlar sua vida reprodutiva não são liberais. Meia liberdade não é liberdade. A liberdade de verdade precisa ser real.

Fonte: HBO



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